De olho na Geografia
O OLHAR DE UM PROFESSOR DE GEOGRAFIA
Por Celso Antunes
Pense em um cientista debruçado sobre um
microscópio e acompanhando com atenção e interesse a evolução de uma célula
qualquer. Com essa descrição não é possível saber em qual ramo das ciências se
concentra seu estudo, mas uma coisa é certa. Esse cientista, provavelmente, não
é um geógrafo, pois Geografia é a ciência dos espaços amplos, das grandes
paisagens. Um biólogo, por exemplo, pode dedicar sua vida de pesquisas a uma
folha ou a único inseto. Um geógrafo não ignora essa folha e esse inseto, mas o
examina no amplo contexto da paisagem em que o inseto ou a folha se encontram e
qual o papel deste contexto sobre sua vida e o papel de sua ação transformando
esta paisagem.
Para o biólogo a folha e sua árvore, o inseto e seu
habitat, para o geógrafo a paisagem vegetal e seu espaço, o mundo animal e suas
correlações com a natureza e com as pessoas.
Esse cuidado é sempre muito importante para quem
ensina a Geografia. Não existe um fato geográfico em um único fenômeno, seja
esse acidente um planalto ou uma cidade, e sim na análise cuidadosa desse
fenômeno interagindo com seu entorno e suas muitas relações com as
pessoas.
Um vulcão, por exemplo, torna-se “fato geográfico”
quando se localiza o lugar em que está, quando se examina suas características
e origem, se percebe sua ação e os riscos sociais da mesma. Quando se examina a
lava que expeliu e que, tempos depois, se transformou em solo, justificando a
ocupação humana e a atividade agrícola, exigindo estradas e tornando viável o
comércio dos produtos que se cultiva e de outros tantos necessários a esses
agricultores. Como bem explicava o geógrafo Milton Santos (SANTOS,
MILTON. A natureza do espaço: técnica e tempo: razão e emoção. São Paulo,
Hucitec, 1996) o espaço geográfico é a configuração territorial dos
objetos geográficos e seu conteúdo social, a vida que lhes dá sentido e os
anima. No exemplo do vulcão citado, é ele o “objeto geográfico” e é a análise
de seu “conteúdo social” que lhe dá sentido e o anima.
Um professor de Geografia, quando contempla
qualquer morro, logo pensa em globalização, aparentemente distante de seu
olhar, mas sabe que a distância apenas se aparenta, pois quem no morro mora usa
coisas que compra na cidade ativando comércio, agitando importações. Para as
pessoas comuns, o morro que este professor enxerga é somente morro, somente
floresta, somente rancho, quem sabe?
Mas, como professor de Geografia que é, aprendeu
que terras e homens se integram e nessa interação muitas vezes o clima ou a
selva calam o homem, mas este, com suas ferramentas, modela e esculpe novas
naturezas, alterando o clima, domando selva, que não se imaginou contida. Na
simplicidade das pessoas que habitam morro, se mostra presente a China e a
Tailândia, a Coreia e o Paraguai. O morro que agora olha é espaço geográfico, é
fato que esculpe interações.
Celso Antunes é bacharel e
licenciado em Geografia pela Universidade de São Paulo, mestre em Ciências
Humanas e especialista em Inteligência e Cognição. Membro consultor da
Associação Internacional pelos Direitos da Criança Brincar, reconhecida pela
UNESCO, é autor de cerca de 180 livros.
Matéria publicada na Revista
Direcional Educador - Edição 63 de abril/2010
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